Seja pelo espectro da tela original no Museu do Prado em Madrid, seja pela reprodução de sua imagem, quem se vê diante de El Tres de Mayo (1808), de Francisco de Goya, tem sua atenção voltada para o homem de veste branca. Seu olhar de desespero e súplica, de quem antevê a dor e a morte, não fixa nossa mirada.
O que ali nos leva a concentrar nossa aflição é a curiosa geometria de seus braços suspensos. Eles não estão erguidos em linha vertical; há um ângulo de intensa simbologia, as mãos espalmadas, uma luz a ressaltar a estética do possível movimento estático do medo.
Seus braços abertos refletem a reação do desarmado que não ataca nem revida, de quem pede trégua ou clama aos céus por um milagre, mesclando dignidade e coragem; o vértice entre eles é o coração, marco maior do amor.
Embora outras cenas se mostrem pavorosas – homens quedados ao chão amparados em poças de sangue, outros futuros cadáveres com mãos nos rostos a evitar o testemunho do próprio fim, soldados enfileirados com suas armas apontadas anunciando novos estampidos –, ainda assim, o que nos monopoliza em atenção é o homem vestindo a cor que simboliza a paz.
Nem mesmo seu desafortunado vizinho, com o olhar perdido de pavor, ou o padre que esquece o firmamento e reúne forças para rezar pelos mortos aos seus pés, ciente de que será também um deles, nenhuma dessas cenas laterais é suficiente para nos desviar o olhar daquela luz central de quem, num gesto, entra para a eternidade da pintura.
O quadro de Goya retrata a insurreição contra a tirania, ao mostrar o fuzilamento de cidadãos espanhóis, por terem se rebelado contra a ocupação francesa realizada por Napoleão Bonaparte entre 1808 e 1814.
Cento e cinquenta anos depois, o artista britânico Gerald Holtom, ao pousar os olhos nesse quadro, concebeu um símbolo para retratar de modo simplificado esse cenário de destruição e morte.
O ano era 1958, o trauma da Segunda Guerra Mundial pairava por sobre a Europa, havia o temor da construção de armas nucleares. Aquele movimento e postura da personagem de Goya, o levou a imaginar uma figura em sentido contrário. Ao invés do desenho em “V”, o esboço seria como se um boneco de palito “plantasse bananeira”. Sim! Com os braços para baixo e as mãos dilatadas ao chão; por que não?
A agonia e o desespero retratados por Goya, a nos instigar sobre a necessidade na transmutação do amor e da paz, agora sendo ambos os pilares dos quais se pode pensar numa sociedade humana de fato humanizada. Inicialmente numa posição que retrata onde se almeja chegar, para dali então, partir em caminho ascendente.
Assim surgiu o conhecido emblema, tão propagado dos anos 1960 até aqui, mesmo desacompanhado de qualquer legenda – peace and love (paz e amor) – era justamente essa a mensagem que ele transmitia, em tantas maneiras pelas quais a imagem viajou o mundo; pichações, cartazes, camisetas, pinturas, desenhos os mais variados.
Também aos anos 1960, com a contagiante cultura hippie em sua simbologia de refutar qualquer tipo de violência, difundindo o amor e paz em músicas, gestos, atitudes, cores vibrantes e a liberdade dos cabelos soltos, rapidamente se incorporou mais uma expressão para esse lema: a mão fechada com os dedos indicador e médio estendidos, formando o sinal de “V”.
Depois da figura de Goya, cujo vértice é o coração, reavivada pela de Holtom, na qual o céu é o limite, temos em dois dedos, um dueto!
E assim paz e amor percorreram a mesma trajetória, ainda que nem sempre contagiante, suplicando que se “faça amor, não faça guerra”, destituindo o duelo em nome desse dueto, alcançando já aqui, dois a entoar uma canção na qual entregam: “serás, amor, a minha paz”.
Vamos então a esse amor universal, o maior e mais forte, superior ao próprio destino, seja numa abstração formada de crenças, ou por um determinismo moldado nas ciências.
A valsa composta por Chico Buarque em 1979, para dois executantes – daí ser um dueto –, nos conduz a um diálogo entre os que se amam, cada um, certo de que o destino deles é o amor e a paz.
Ela, por acreditar em sinais trazidos por tantas manifestações etéreas e misteriosas, como a astrologia, as predições, mitologia, religião.
Ele, com respaldo em registros escritos: autos, bulas, dogmas, teses, tratados, dados oficiais, tudo convergindo para uma determinação lógica, da ciência, da razão, a indicar o futuro de ambos: em eterno dueto.
São múltiplas as crenças. Embora cada uma tenha suas próprias características, há sempre uma convergência, a do propósito de se cumprir uma destinação de aperfeiçoamento espiritual, de plenitude.
O hinduísmo e o budismo falam do Karma, ou carma, com ciclos de reencarnações gerando retornos à vida com características peculiares, a depender da ação que se faz em vida.
Essas crenças também vêm da astrologia, com os signos a influenciar as condutas, da religião e mitologia africanas com seus búzios e orixás, do catolicismo pautado pelo evangelho, e até das predições vindas de anúncios e espelhos.
A imensa riqueza de emoções adorna a crença de quem enxerga seu amor indicado em cada uma dessas manifestações. Ela confia na intuição, presságios, credos, como numa invisível e sagrada conspiração que ata num laço invisível os dois em busca de ser um só.
Em outro modo de compreensão das coisas, há a segurança do registro, da ciência, análise decorrente do conhecimento.
É nisso que ele se agarra, num sutil e inconfessável medo de parecer sensível demais caso se conduza somente pela emoção, daí que busca incessantemente o respaldo em palavras dispostas em narrativas descritivas (autos), em sinais que se prendem a um documento, atestando-lhe a autenticidade (bulas), em doutrinas aceitas de modo indiscutível (dogmas), nos estudos cientificamente construídos (teses), em manifestações de vontade com todos os detalhes (tratados), nos registros confiáveis (dados oficiais).
Ele tem a certeza do amor, mas precisa desse respaldo na razão, e é essa determinação racional que indica a origem e o fim desse amor.
Dois caminhos aparentemente distintos, porém interligados por um elemento comum às estradas da emoção e da razão, o ponto de chegada. Com a crença ou pela ciência se chega ao que há de vir, ao acontecer, ao futuro. Eis o destino.
Todavia, na sublime interação cantada por esse dueto formado pela emoção e pela razão, há um ponto maior de convergência, superior ao próprio destino. O amor. Eles dizem com a profunda convicção – seja pela crença, seja pela ciência – que, na hipótese de os elementos abstratos do credo ou os registros seguros do que é racional, qualquer um desses dois universos, se a conclusão for a de não realização desse sentimento, então que se dane tudo; pois em dueto, eles afirmam terminantemente: tu serás o meu amor!
Eles passam a se identificar não pelo nome, mas pela palavra amor, para enfim dizerem juntos: “serás, amor, a minha paz”.
Pessoas que se amam, convém lembrar, ao falar em paz como condição do amor, nem sempre se referem ao antagonismo da guerra, embora tenhamos percorrido toda aquela trajetória, da pintura de Goya do século XIX ao movimento peace and love dos anos 1960, para mostrar o dueto simbolizado pelos dois dedos na mão fechada.
Há algo mais, misteriosamente entremeado na emoção das almas tocadas pelo bendito e indescritível sentimento do amor, e que leva à desejada paz.
Nessa corrente imperceptível a unir os amores vividos neste mundo, tão necessários e belos em todas as realizações afetivas de casais na dimensão maior da verdade, heteroafetivas, homoafetivas e quaisquer variáveis, o termo paz não se aponta necessariamente sendo uma não-guerra.
A paz como desordem, porque geralmente a ordem é ligada à guerra, com as fileiras de soldados em seu determinismo de ataque; enquanto o coração mostra sua paz na bagunça, com o sangue nas veias nas quais os amantes se perdem.
Ainda que entre dois intérpretes, este dueto não é propriamente “entre dois”, porque nada pretende dividir. Aqui isso se trata apenas de um convite: Entre! … Mas entre, ao ponto de não mais se saber a intersecção. Enquanto o amor faz a paz pousar, ela por vezes, o faz voar.
É sobre a fé de onde parte e aonde chega toda ciência; e sobre a ciência, que nenhuma fé jamais desistiu de encontrar. A ideia de um dueto, e este é enfim nada mais nada menos que o título da música, carrega consigo a possibilidade de união plena, isto é, da comunhão; possível quando se tratam de metades.
Há aqui um enraizamento da linha em sua entrelinha, onde quando não se atinge o que está subentendido, nada se alcança, numa espécie de complemento. É o que se diz do amor, que sem a paz, se reduz a paixão; bem como o que se sabe da paz, que sem o amor, se torna solidão.
A paz no amor tem uma razão de ser. Ela põe fim à angústia da espera, dando lugar à caminhada em dueto, a partir dali. Essa é a sensação de quando amores se olham nos olhos um do outro, suspiram, e compreendem que finalmente terão a paz: ela assume, definitivamente, o lugar da aflição da saudade. É o que consta.
Dueto
Chico Buarque/1979
Ela:
Consta nos astros
Nos signos
Nos búzios
Eu li num anúncio
Eu vi no espelho
Tá lá no evangelho
Garantem os orixás
Serás o meu amor
Serás a minha paz
Ele:
Consta nos autos
Nas bulas
Nos dogmas
Eu fiz uma tese
Eu li num tratado
Está computado
Nos dados oficiais
Serás o meu amor
Serás a minha paz
Ela: Mas se a ciência provar o contrário
Ele: E se o calendário nos contrariar
Os dois:
Mas se o destino insistir
Em nos separar
Danem-se
Ela: Os astros
Ele: Os autos
Ela: Os signos
Ele: Os dogmas
Ela: Os búzios
Ele: As bulas
Ela: Anúncios
Ele: Tratados
Ela: Ciganas
Ele: Projetos
Ela: Profetas
Ele: Sinopses
Ela: Espelhos
Ele: Conselhos
Os dois:
Se dane o evangelho
E todos os orixás
Serás o meu amor
Serás, amor, a minha paz
Ele: Consta na pauta
Ela: No Karma
Ele: Na carne
Ela: Passou na novela
Ele: Está no seguro
Ela: Pixaram no muro
Ele: Mandei fazer um cartaz
Os dois:
Serás o meu amor
Serás a minha paz
Ele: Mas se a ciência provar o contrário
Ela: E se o calendário nos contrariar
Os dois:
Mas se o destino insistir
Em nos separar
Danem-se
Ela: Os astros
Ele: Os autos
Ela: Os signos
Ele: Os dogmas
Ela: Os búzios
Ele: As bulas
Ela: Anúncios
Ele: Tratados
Ela: Ciganas
Ele: Projetos
Ela: Profetas
Ele: Sinopses
Ela: Espelhos
Ele: Conselhos
Os dois:
Se dane o evangelho
E todos os orixás
Serás o meu amor
Serás, amor, a minha paz
Ele: Consta nos mapas
Ela: Nos lábios
Ele: No lápis
Ela: Consta nos Ovnis
Ele: No Pravda
Ela: Na vodca
CLIQUE AQUI PARA VER CHICO BUARQUE E NARA LEÃO CANTANDO “DUETO”
DUETOS
A canção Dueto foi composta e escrita para integrar a comédia musical O Rei de Ramos (1979), de Dias Gomes, encenada no Teatro João Caetano, em sua reinauguração, após a reforma desse que é o mais antigo teatro do Rio de Janeiro, cujas portas se abriram em 1813. A peça aborda o ódio entre dois banqueiros do jogo do bicho, Mirandão (Paulo Gracindo) e Brilhantina (Felipe Carone), em conflito com o amor existente entre seus filhos, Taís (Marília Barbosa) e Marco (Marcio Augusto).
Dias Gomes diz que, em 1975, Flávio Rangel pediu que ele escrevesse uma comédia musical. Ao aceitar o desafio, começou a redigir com entusiasmo O Rei de Ramos, primeira experiência no gênero. “Infelizmente”, destaca o escritor, “quando já tinha mais da metade da peça pronta, Flávio deixou a direção do Teatro Adolfo Bloch e o projeto foi cancelado. Durante dois anos a peça dormiu no fundo de minha gaveta. Até que, em meados de 77, eu a li para um grupo de jornalistas e homens de teatro, no Teatro Casa Grande. A boa acolhida que o texto teve por parte da reduzida platéia me animou a terminá-lo. Um dos presentes era Chico Buarque, que aceitou escrever a música” (trecho da apresentação feita pelo próprio Dias Gomes no livro O Rei de Ramos, publicado pela editora Bertand Brasil, na sua 2ª edição, de 1987).
Flávio Rangel, diretor do musical, fez questão de ressaltar que “[s]endo Chico Buarque o extraordinário poeta que é, seu trabalho foi utilizado em O Rei de Ramos inclusive na função de aclarar e reforçar passagens do texto, além de levar a ação dramática adiante e até mesmo definir personagens”; isso também é destacado por Dias Gomes, ao registrar que “O Rei de Ramos é, sobretudo, um trabalho de equipe, que se completa harmoniosamente com a colaboração de Chico Buarque e Francis Hime”. A propósito, Francis Hime foi também o diretor musical do espetáculo.
Sabe-se que uma das características das canções feitas pelo Chico com destinação certa para alguma trilha sonora de teatro, cinema ou televisão, é que as músicas acabam saltando de sua gênese, vão se afastando da origem que motivaram sua criação e adquirem vida própria.
O diretor de O Rei de Ramos, Flávio Rangel, percebeu isso na época da peça; no prefácio do livro no qual se publicou a obra dramatúrgica de Dias Gomes, disse que três canções ali poderiam ser ouvidas “pelo seu valor intrínseco, isoladas do contexto em que a peça se move”.
Ele não disse quais eram as músicas, mas penso que se referia a Dueto; e me arrisco a dizer outra música desse rol não nominado por ele: Amando sobre os Jornais, por carregar essa característica de autonomia. Essa, aliás, é uma música bastante conhecida, a compor uma das faixas do disco Mel (1979), de Maria Bethânia, e que infelizmente nunca foi gravada pelo Chico. Provavelmente a terceira cantiga com esse traço de independência da peça é Qualquer Amor, parceria do Chico com Francis Hime, gravada por Olívia Hime no disco Essas Parcerias (1984), do Francis.
No musical, a canção Dueto é entoada numa cena na qual o bicheiro Mirandão, pai de Taís, começa a dançar com ela uma valsa, na festa que ocorre numa quadra da escola de samba, e é nesse instante que ela e Marco se conhecem, e se apaixonam.
Esse é o registro da cena, construída por Dias Gomes, na qual surge a música:
“QUINTO QUADRO
ONDE ENTRA UM POUCO DE AMOR, POR QUE NÃO?
Quadra da escola de samba em clima de festa. Os passistas se exibem ao ritmo da bateria e cantam o samba-enredo, puxado por Pedroca.
(…)
Mirandão entra, de braço com Cida [mulher de Mirandão, interpretada por Solange França]
(…)
MIRANDÃO
(…) Onde tá minha filha?
PEDROCA
Ela tava por aqui…
MIRANDÃO
Quero que ela dance comigo a valsa da aniversariante. Vem, vamos ver onde ela tá… (Sai com Cida.)
(…)
MIRANDÃO
(Entra, trazendo Taís pela mão.) Ei, pára! Pára!
PEDROCA
(Para a bateria:) Bateria! Mirandão tá mandando parar, porra!
A bateria pára.
MIRANDÃO
A valsa!
TAÍS
Que é isso, pai! Não dá vexame! Valsa em quadra de Escola de Samba!… Essa não!
MIRANDÃO
Por que não? Eu já combinei com eles. Vamos lá, pessoal da bateria! A Valsa da aniversariante!
Com manifesta má-vontade, os surdos começam a marcar o compasso da valsa. Mirandão e Taís saem dançando. Ela constrangida, ele glorioso, sorridente. Marco vê Taís e não tira os olhos de cima dela. Ela nota também e dança olhando para ele. Outros pares entram na dança. Até que Mirandão se sente cansado. Pára. Cida vem em seu socorro.
CIDA
Que foi?…
MIRANDÃO
Acho que tou mesmo ficando velho. O coração tá rateando…
(Sai com Cida.)
Como que atraídos por um imã, Marco e Taís vão ao encontro um do outro e continuam a valsa, olhos nos olhos, vidrados (…).
(…)
TAÍS
Quem é você?
MARCO
Meu nome é Marco. Cheguei ontem.
TAÍS
Chegou de onde?
MARCO
De Paris. Não é espantoso?
TAÍS
O quê?
MARCO
Anteontem a gente nem se conhecia. E havia entre nós todo o Oceano Atlântico. E de repente estamos aqui, um em frente ao outro…
TAÍS
E parece que isso tinha de acontecer. Estava escrito. (Canta:)
TAÍS
Consta nos astros
Nos signos
Nos búzios
Eu li num anúncio
Eu vi no espelho
Tá lá no evangelho
Garantem os orixás
Serás o meu amor
Serás a minha paz
MARCO
Consta nos autos
Nas bulas (…)”
E daí segue a valsa, encantadora como é, vaticinada a atravessar o tempo e o espaço, desligando-se das fronteiras do teatro que a acolheu em seu primeiro entoar.
A gravação que fez a música se deslocar de sua ambiência de dramaturgia foi a do Chico Buarque com Nara Leão, a integrar como faixa musical o disco dela Com Açúcar, Com Afeto, de 1980.
A conhecida interpretação dos dois, a conduzir os ouvintes a uma espécie de baile pautado pelo carinho, certamente é fruto do que a própria Nara Leão registrou nesse disco, “feito como se estivéssemos em casa”, assim ela escreveu. “Muita tranquilidade, bons papos. A direção e a guitarra do Burnier, mais a sensibilidade e sutileza do toque do piano do Antonio Adolfo me deram logo a certeza de que tudo ia correr maravilhosamente”; e arremata: “Foi muito bom fazer este disco. A gente se divertiu, se emocionou. Para mim, cantar as músicas do Chico é um ato natural. Como respirar. Não exige esforço, não há divergência”.
Assim, o destino dessa canção ficou por décadas como sendo o de nos embalar na percepção da certeza dos dois eus líricos quanto ao amor além da crença e da razão.
Eis que somos surpreendidos de modo emocionante, com nova gravação de estúdio, num dueto formado por Chico Buarque e sua neta Clara Buarque, no disco Caravanas (2017).
Aqui se impõe um registro: o da bendita coragem de Clara ao debulhar os tons e as notas de uma canção cuja memória sentimental de muitas gerações já a identificava como algo pertencente ao universo desse dueto pra lá de especial – Nara Leão e Chico Buarque.
Porque estou certo de que não é fácil interpretar tal música, cujo percurso de quase quarenta anos de estrada se fez com outra voz, ainda mais sendo a da Nara.
O fato é que a valentia se fez acompanhar de muito talento e personalidade, para que ouvíssemos então, admirados, Dueto com essa roupagem trazida por Clara e Chico, simplesmente nos deixando levar pela doce voz moldada por ela ao fazer aflorar o eu lírico da cantiga. Clara foi buscar essa música do Chico nos arquivos do tempo, sabendo reinseri-la no momento atual. E isso confirma o lema trazido por ela em entrevista, a revelar que sua percepção carrega o melhor da entrega de um artista ao mundo, a própria natureza e essência: “Canto o que gosto. Canto o que sinto. Vou deixar a vida me mostrar o que ela guarda pra mim”.
O tempero da nova gravação se dá também ao final, com a inserção de elementos da modernidade, inexistente no tão distante anos 1980, e que passam a fazer parte da lista do “consta”… no Google, no Twitter, no Face, no Tinder, no WhatsApp, no Instagram, no email, no Snapchat, no Orkut, no Telegram, no Skype.
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Quando da turnê do show Caravanas, Chico forma o dueto com Bia Paes Leme, instrumentista de sua banda.
O registro está no disco Caravanas ao vivo (2018), e o final é idêntico ao da roupagem da versão feita com a Clara Buarque, quanto aos elementos da modernidade, com uma diferença. Após falarem do Google ao Skype, Chico larga um “no fax…”, causando risos na plateia.
Fico a imaginar que as gargalhadas certamente emanaram daqueles que, como eu, sabem e usaram bastante o fac-símile ou fax, um telefone que possuía em suas entranhas um rolo de papel a permitir que documentos fossem enviados em cópia por outra linha telefônica acoplada a um fax, uma espécie de impressora interligada a outra por telefone. O máximo da modernidade, quando se popularizou no início dos anos 1990, precursor de tudo que é dito no final dessa nova versão, como o WhatsApp.
A fala um tanto quanto tristonha do Chico talvez reflita certa saudade de algo que já foi tão moderno e hoje é totalmente esquecido, e ainda assim passa a integrar o rol da lista das plataformas nas quais se pode pesquisar, verificar e passar mensagens aos outros sobre aquele amor que constava, em tempos anteriores ao mundo virtual de hoje, em fontes confiáveis, como num jornal que fez revolução no início do século XX, o Pravda (verdade, em russo)… Consta no Pravda…
CLIQUE AQUI PARA VER CHICO BUARQUE E BIA PAES LEME CANTANDO “DUETO” NO SHOW “CARAVANAS”
Parabéns, maravilhoso.
Texto incrível, uma delícia de ler!